A vida de um ostomizado
A vida é uma bênção: bela e fácil de ser vivida! Desde que estabeleçamos objectivos. Primeiro surge a infância, onde somos amados, incondicionalmente! Posteriormente, vem a puberdade e adolescência, um período em que se pensa que tudo é maravilhoso e muito fácil; vivenciamos as primeiras experiências, sempre apoiados pela vigilância afectiva, atenta, cuidadosa da família... quando se tem essa felicidade!! Mais tarde, já no estado adulto, constatamos que a vida é um ciclo: todos temos que o percorrer!! Por vezes encurta-se ou alonga-se, de acordo com as opções inteligentes ou não, que adoptamos
E a saúde é o maior tesouro
Como é óbvio, na fase adulta há situações sublimes, magníficas, como, por exemplo, a Maternidade, boas, menos boas, Nem tudo são mares de rosas; existem outras situações; tristes, sofridas, como as doenças e o perigo de Morte
Todavia, se o campo da nossa consciência se revestir de muita fé, esperança, força, coragem, tudo correrá com sucesso. Os exames do mais vale prevenir do que remediar, têm que ser feitos, com responsabilidade e respeito pela nossa saúde! Eu nunca os fiz e, como tal, surgiu-me uma hemorragia desastrosa!! As minhas filhas conduziram-me à urgência do Hospital de Santo António. Não me recordo de nada porque desmaiei
Após bastantes exames, logo me diagnosticaram um cancro no intestino uma palavra que ninguém gosta de ouvir. É uma doença silenciosa, sem sinais. Esta palavra, cancro, estoirou no meu cérebro como uma bomba e eu não acreditei. Todos menos eu!! E porquê eu?!! Sentindo todo o apoio das filhas, família e amigos, impôs-se uma cirurgia urgente, com apoio psicológico e psiquiátrico. Não vou mentir, afirmando que aceitei a doença sem medo, sem maus pensamentos. Entreguei-me nas mãos de Deus, confiei na equipa do Hospital de Santo António, despedindo-me das minhas filhas porque o susto de ver tanto sangue me remeteu à ideia da Morte
O cirurgião informou-me que, temporariamente, seria portadora de um saco para recolher as fezes. Ficaria colostomizada. Mais me informou que teria de me submeter a tratamentos de quimioterapia, com transfusões, e a tratamentos de radioterapia: Susto! Medo! Pavor! Caí numa crise existencial, recusando-me quase a viver. Mas, com todo o poder da minha mente, raciocinei, reflecti, porque o isolamento e o desespero só iriam complicar tudo. Dá e pede ajuda
. Foi o que pus em prática. Fazia quimioterapia no Hospital de Santo António, algumas horas e, a correr dirigia-me para o IPO, para receber os tratamentos de radioterapia. No mesmo dia
era duro!! Nesta aflição, senti um grande desalento; porém, recorri a toda a minha força anímica e entreguei-me à luta. Tive que gostar muito de mim. Como foi tudo muito rápido para ser operada uma questão de ética hospitalar não tive tempo para sofrer por antecedência
. Surgiram os fantasmas, o pânico, a revolta com Deus, mas, a operação, mais longa e mais difícil que o esperado, correu bem. Fui a tempo de ser salva! Quando regressei do recobro, o médico, habilmente, foi-me dizendo que o saco não seria temporário, mas para toda a vida
Aqui, então, quase morri! Rejeitei a ideia, chorei, barafustei, mas esta era a cruel realidade! Que remédio tive se não aceitar, criar vontade de vencer, para viver, enchendo-me da filosofia dos pensamentos positivos, mentalizando-me que para a frente me esperava uma longa e difícil caminhada, porque, afinal, estava Viva!! E quantos não receberiam tal graça divina?!! Jamais agradecerei o suficiente aos médicos do Hospital de Santo António e do IPO e respectivas equipas, motivaram-me, trataram-me, curaram-me. Bem hajam!! Não podia só contar com os ensinamentos dos profissionais de saúde
tinha que fazer a minha parte
A maior. Deus deu-me a fabulosa, nova e segunda oportunidade de viver. E, então?? Há que a agarrar com todas as energias possíveis e impossíveis: valorizar cada dia, cada hora, cada minuto, cada segundo, como se fossem os últimos! Durante o mês em que estive internada no hospital, as competentes e afectuosas enfermeiras cuidaram de mim, procurando ensinar-me a lidar com esta nova situação: complicada
O pior foi quando regressei a casa. Todos os dias havia batalhas, dúvidas a vencer
como? Com a ajuda das minhas filhas, da minha sobrinha e do meu marido e da minha empregada. Cortavam-me os sacos à medida, davam-me a medicação. Eu fazia a limpeza com certo escrúpulo, tomava banho e o meu marido colocava-me o saco. Como me sentia deprimida, humilhada, sempre com as lágrimas a correr! Mas
ganharei esta guerra. Já pensava? E pensei bem?! Quem diz que é fácil, é porque não passou por elas. Porém, hoje, passados dois anos, convivo naturalmente com a minha situação, como mais uma nova rotina a cumprir; eu é que beneficiava; com aceitação: não existia outra saída! A cura, a felicidade está dentro de nós! Nunca desisti e ninguém deve desistir, porque é o único remédio! Para que serve a valentia? Estudei a minha nova condição pessoal, familiar, cultural, social e laboral. Pu-la em prática, devagar
Tive que ultrapassar falsos preconceitos, se queria ser saudável, enérgica, feliz. Neste momento, tudo é normalíssimo. Só me falta vencer uma etapa: para voltar à minha maior paixão, a prática de hidroginástica, terei de adoptar uma rotina que consiste em esvaziar o intestino, proteger-me com o material adequado (tampão, obturador). Inicialmente não tinha horário certo para o funcionamento do intestino e, por consequência, para a remoção do saco. Contudo, o corpo tem memória e, neste momento, mudei a alimentação: como pouco de cada vez e ingiro muita água. Após o almoço estou pronta para sair sem sobressaltos; mudo o saco. Nunca saio sem levar o material, caso surja um imprevisto. Procuro conviver, sair com a família, com os colegas da escola, levando uma vida que me proporcione prazer e conforto: ouvir música, ver bons filmes, caminhar
Estou aberta a dar o meu testemunho de renascimento, aceitação, êxito, partilha, solidariedade, serenidade, paciência, desta viagem espiritual vivenciada com o meu corpo e a minha alma. O livre arbítrio é a escolha certa para vencer. Estamos vivos, curados, saudáveis, felizes e mais heróis que antes
Nessa viagem interroguei o meu espírito, na sua essência mais pura, para que o meu ser superior me enchesse de luz, de amor, de dádiva, de paz. Nesta viagem percorri o itinerário mais ousado e encontrei maravilhas, nunca vistas em roteiros turísticos: apostei, ousei e como me deslumbrei com tantas e enormes estrelas e luzes coloridas e como descobrii que a mente está cheia de defesas automáticas, em relação à dor, ao medo. Nunca temi desobedecer ao meu coração porque sabia que jamais me atraiçoaria. Enchia-me sempre de energia nova e renovadora; nunca fiquei fechada, para não tropeçar e para não me sentir desgraçada, mal amada pela vida. Esforcei-me por fazer uma revisão atenta e profunda, de forma a solucionar todos os problemas físicos, psíquicos, emocionais. Procurei colocar para trás alguma situação que me destruísse, entristecesse ou me prejudicasse a mim própria. Tive que mudar rotinas, pôr de lado a comodidade, ganhar coragem para quebrar a monotonia, as inseguranças; mobilizei-me para ganhar força, poder, entusiasmo pela vida Só se vive uma vez!! Lutei para não parar a meio da ponte, para não ficar a meio da longa escadaria: ou subia, ou descia
conseguindo sempre nunca cair, ou tropeçar. Foi-me imperioso transformar o meu Eu, desdobrar as minhas duplas energias dos meus músculos, das minhas células purificadoras e limpar todas as minhas antigas feridas. Pela primeira vez olhei-me no espelho e, pela primeira vez reparei como a minha expressão mudou
os meus olhos voltaram a sorrir, o meu rosto relaxado, mais compreensivo, o nariz e a boca a respirar com mais leveza, com a satisfação de estar viva!! Na minha esplendorosa viagem pela Via Láctea, dormi, comi, descansei, observei, parei, reflecti, li, saudei coisinhas em que, até então, nunca tinha reparado. Aprendi a amar verdadeiramente a vida, repleta de sabedoria. Morri
mas renasci com sonhos e projectos jamais, alguma vez imaginados: Reparei na natureza no orvalho das flores, no chilrear dos passarinhos, no verde diferente de cada árvore e vegetal e passei a brincar mais com as crianças, soltando a criança que passei a sentir dentro de mim! Pura magia: estou viva, logo quero, posso e imponho-me!
Semeia rosas sem espinhos Ternura toda, sem tempo e para quem?! Frutos espalhar-se-ão plos caminhos
Serão tantos, imensos milhões, em vez de cem!!
Vê um novo Mundo, todo teu! Encherás corações de muita alegria Campinas de miríades flores, reluzentes deuforia De rosas murchas?! Nenhuma delas morreu!!
O Sistema Nacional de Saúde, no meu caso A.D.S.E., comparticipa: Decreto-lei 25/95. E temos direito a uma pequena pensão de incapacidade. Em caso de necessitar, recorro aos médicos do Santo António, pois continuo a ser vigiada. Recorro também à Europacolon Portugal, Associação de Luta Contra o Cancro do Intestino. A Associação tem uma Linha de Apoio 808 200 199. Se não for atendida, deixe a sua mensagem, exponha, desabafe o seu problema, porque uma voz amiga, meiga, carinhosa de uma profissional, ajudá-la-á a tornar a situação mais fácil. Como a Associação se debate com dificuldades económicas, devemo-nos tornar sócios, com uma quota mínima. Alem desta quota, pode também ceder 5% do seu IRS à Associação.
Se eu venci, se eu consegui, você que está a passar por idêntica situação também triunfará, lutando com muita coragem, força e fé!! Querer é poder!
Edith Florbela Taborda
31 de Agosto de 2010
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