Já não há ricos nem remediados. Os novos medicamentos, e o seu preço, tornaram-se num problema para todos os governos. Dos mais preocupados com a proteção social aos mais neoliberalistas. Enquanto, em Portugal, os doentes com hepatite C lutavam pelo acesso a um tratamento inovador, num dos países mais prósperos do mundo, o Canadá, organizavam-se manifestações de protesto contra a recusa em aprovar um medicamento para o melanoma - utilizado em Portugal há mais de um ano, por sinal.
O caso do medicamento para a hepatite C - que culminou num protesto na Assembleia e na morte de uma doente, que aguardava tratamento, enquanto o Ministério da Saúde e a empresa americana Gilead chegavam a acordo - talvez tenha sido o mais grave. Mas não será o primeiro nem o último em que os doentes, farmacêuticas e Governo se envolvem num braço de ferro. Deixando vítimas pelo caminho. Os tempos são de mudança e ainda ninguém sabe muito bem qual a solução da equação: medicamentos certeiros, feitos à medida, para menos doentes e a preços mais elevados. "O tempo dos blockbusters acabou", nota Joaquim Cunha, Diretor Executivo do Health Cluster Portugal. "A medicina de alfaiate, dirigida ao indivíduo, é um desafio em termos de custos", acrescenta o médico e deputado do PSD Ricardo Batista Leite. Resultado: os processos são cada vez mais complexos e dispendiosos. E isto leva a que as farmacêuticas tentem, em cada molécula aprovada, recuperar o investimento de milhares de milhões de euros no desenvolvimento daquela molécula e de todas as outras que ficaram para trás. Feitas as contas, o custo dos medicamentos praticamente duplicou na última década, o que levou a que já em 2013 um grupo de 120 oncologistas notáveis tenha lançado um alerta global.
Unidos por um preço melhor"O modelo de remuneração da inovação e de determinação de preços tem de ser revisto", diz o especialista em Economia da Saúde, Pedro Pita Barros. "Vão surgir mais situações similares, e não é uma questão apenas de 'estado social em falência', é saber se são razoáveis valores tão elevados que mesmo em condições de conforto financeiro constituem uma enorme transferência de valor para as companhias farmacêuticas, muito acima do que possa constituir uma remuneração adequada do seu investimento", continua o professor na Universidade Nova de Lisboa.
Hoje, logo a seguir às percentagens de sucesso dos ensaios clínicos, a pergunta que se impõe é 'quanto custa?' Numa entrevista ao Jornal de Notícias, publicada segunda-feira, 9, o presidente da Autoridade do Medicamento, Infarmed, mostrava-se assustado ante a perspectiva da chegada de uma nova molécula para o tratamento do melanoma, ainda à venda exclusivamente no Japão, com o preço de 140 mil euros. "Há um novo paradigma do medicamento", admitiu Eurico Castro Alves, alertando para a aproximação de uma relação "infernal" entre governos e farmacêuticas. Na mesma intervenção, o médico defendeu ainda a concertação entre todos os estados europeus, formando uma frente comum que permita negociar um preço único. Uma estratégia, aliás, que começou por ser adotada a nível europeu para a compra do medicamento da hepatite C, mas que saiu gorada quando os estados começaram a discutir a solo.
Ricardo Batista Leite também defende uma "compra conjunta, a nível europeu, com uma negociação centralizada, para os medicamentos inovadores, e, como se vislumbra, de preços incomportáveis." Na sua proposta, os países seriam agrupados de acordo com o PIB e comprariam dentro do grupo correspondente.
Qualquer que seja a solução, tem de chegar rapidamente. Na Europa, 86% das mortes ocorre por doenças crónicas, que são responsáveis por um gasto anual de 700 mil milhões de euros.
A oncologia leva a maior fatia de custos com medicamentos. Mas o grupo dos mais caros inclui outras moléculas inovadoras
- Imatinib - Medicamento para a leucemia mielóide crónica, representa quase 30 por cento dos gastos em tratamentos oncológicos. Quando chegou ao mercado, no início da década passada, apelidaram-no de bala de prata - transformou uma doença mortal numa patologia crónica, em 90% dos casos. Custa em média 25 milhões de euros por ano ao Estado. Perderá a patente em 2016, esperando-se que passe a custar cerca de 10 por cento.
- Ipilimumab - Aprovado em fevereiro do ano passado, para o tratamento do melanoma em estado avançado. Um ciclo completo inclui quatro doses, cada uma a 16 mil euros.
- Tafamidis - Nem todas as expectativas se confirmaram acerca da primeira molécula desenvolvida para o tratamento de uma doença muito portuguesa, a paramiloidose, ou doença dos pezinhos. Aprovado em 2011, começou a ser oferecido aos portugueses em junho de 2012, depois de uma forte pressão das associações de doentes. Foi acordado o valor de 30 milhões de euros, para tratar 250 doentes, em dois anos.