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À conversa com Paulo Rocha - Paciente de Cancro Pancreático

2016-12-05
À conversa com Paulo Rocha (Fonte - Falarsobrecancro.org https://medium.com/@fsc.suporte/%C3%A0-conversa-com-paulo-rocha-95d08ed50e29#.ge4e4kr9f)
 
Paciente de Cancro Pancreático
 
Paulo Rocha, de 54 anos e licenciado em Educação Física e Desporto pela Universidade do Porto, é pai de dois filhos: uma rapariga e um rapaz. Em janeiro de 2013, foi-lhe diagnosticado um cancro no pâncreas e, desde então, é seguido no IPO-Porto. “Olho a minha doença como sendo de caráter crónico, permanece a tempo certo é claro, mas sem qualquer mágoa”, confessa Paulo Rocha.
 
Conte um pouco da sua história…
 
Bom, ninguém tem apenas uma história. Para cada campo ou área da vida e de acordo com a nossa memória, interpretação e honestidade poderemos desenhar uma história de vida.
 
No entanto, e tentando ser breve, posso referir ter nascido em abril de 1962; ter tido uma infância e adolescência relativamente feliz e de sucesso escolar; uma juventude algo problemática e depressiva com uma incursão por drogas leves; uma fase adulta de desilusão sentimental, de sucesso profissional, e de stress.
 
Apaixonei-me aos 16 anos e com ela me casei aos 25. Aos meus trinta tivemos dois filhos, gémeos falsos, rapaz e rapariga. Separámo-nos em 2008.
 
Que tipo de cancro tem?
 
Sinceramente, neste momento não sei bem o que tenho. Mas, inicialmente, foi-me diagnosticado um cancro no pâncreas com três ou quatro metástases no fígado, de grau IV.
 
Quando é que lhe foi diagnosticado?
 
Numa fase inicial, a 1 Janeiro 2013, foi-me dada uma indicação muito velada, e posteriormente, por volta do dia 15, foi feito no IPO-Porto o diagnóstico final.
 
Como reagiu?
 
No momento da notícia apenas fiquei triste. O meu total desconhecimento sobre este tipo específico de cancro não me proporcionava ter outra atitude. A sensação que então tinha era a de que os cancros em geral tinham solução positiva. Com mais ou menos efeitos indesejáveis, mais ou menos tempo de tratamento, com ou sem intervenção cirúrgica… tudo se resolveria.
 
Como viu a doença nesse dia? E hoje?
 
Verdadeiramente só tomei consciência desta doença quando, após me ter sido proposto o tratamento com folfirinox, pesquisei na internet as suas percentagens de sucesso, ou seja, taxas de sobrevivência. Aí fiquei assustado! Após confirmação das mesmas pela minha médica… a chorar, saí rapidamente do consultório. Tinha dez meses de vida.Ninguém gosta de ouvir a sua sentença de morte.
 
Hoje, quase quatro anos volvidos, devido ao excelente acompanhamento por parte do IPO-Porto, dos excelentes médicos e enfermeiros que me têm assistido, hoje olho para a minha doença como sendo de caráter crónico, permanente a “termo certo” é claro, mas sem qualquer mágoa.
 
Qual o estado atual da doença?
 
De momento, creio que tudo indica que se encontra numa fase estacionária. Daí que esteja a fazer um intervalo nos tratamentos de quimioterapia, o que me tem permitido, com a ajuda do reflexologista, recuperar a olhos vistos de alguns dos seus efeitos secundários.
 
Que mudanças foram feitas na sua vida depois da descoberta?
 
Ui! Tanta coisa mudou! A primeira terá sido a forçada inatividade profissional e o consequente atestado de incapacidade. Doeu muito…
 
Esse súbito afastamento do mundo com que habitualmente interagia é quase uma morte antecipada. Deveria ser possível a permanência na profissão, com horário reduzido, tarefas simplificadas ou mesmo em atividades de apoio ou transferência de conhecimentos dentro da instituição de trabalho.
 
De fundamental relevância foi também a mudança de atitude face a assuntos práticos da vida que, em geral, ou não pensamos neles, ou procrastinamos. Assuntos como, garantir a futura subsistência dos filhos, resolver assuntos financeiros pendentes, transmitir a organização e funcionamento de uma casa a quem dela se irá apropriar, tomaram carácter de urgência.
 
Profunda alteração teve também a intensidade das minhas convicções. Sempre me considerei, e consideravam-me, de convicções fortes, imperativo, várias vezes irascível. De um momento para o outro, apercebi-me que a razão, ou razões, que por vezes fui calando, outras exprimindo, e algumas impondo, eram demasiadamente voláteis. Deparei-me com o erro, a responsabilidade e, eventualmente, a culpa. Tento aprender a troca da imperatividade pela assertividade e da irascibilidade pela serenidade.
 
Se pudesse, como descreveria o seu primeiro ano com a doença?
 
Um ano de, como já disse, de resolução de assuntos pendentes e de aprendizagem de um outro tipo de vida… Como costumo dizer, “um passeio no parque”.
 
O que tentaria mudar ou fazer de forma diferente?
 
Nada. Rigorosamente nada. Vivo a vida no momento, com o conhecimento, sentimentos e afetos que fui integrando, tentando melhorar-me a cada experiência por que passo. A minha vida será o percurso que tiver feito. Recuso raciocínios retroativos.
 
Que situações ou momentos lhe deram força para levantar a cabeça?
 
Nenhum em particular porque para levantar a cabeça é condição necessária tê-la baixado. Ainda não o fiz. Mas, sem dúvida, que ter mantido em mim a responsabilidade de organização diária de uma casa familiar ajudou muito. A obrigação de cumprimento dessas simples tarefas ocupa-me parte do tempo, faz-me sentir útil, “empurra-me” para a frente e, muito importante, quem comigo convive esquece-se da minha doença.
 
O que o fez e faz não desistir?
 
Nunca pensarei em desistir, sem estar em grande sofrimento ou fortemente incapacitado física e/ou psiquicamente. Além do que, pelo fato único de a minha esperança de vida ser muitíssimo menor do que a da enorme maioria dos mortais, não é líquido que o tempo restante me seja extremamente encurtado. Sim, coisas diferentes são percentagens e casos particulares. E qualquer um de nós pode ser, e é, neste ou naquele aspecto, um caso particular. Assim sendo, nunca pensei em desistir, simplesmente porque não tenho motivo. Contudo, julgo saber que se aproxima um fim doloroso. Aí sim, escolhas terão de ser feitas.
 
Quais os planos pessoais e profissionais para o futuro?
 
Planos profissionais não tenho. A minha anterior profissão terminou de vez. Quanto a planos pessoais, continuarei a tentar remediar alguns dos erros que cometi, a tentar ser útil a quem de mim precise e a crescer como pessoa. Considero que a este nível estes últimos quase quatro anos têm sido dos mais profícuos da minha vida.
 
Deixe uma mensagem de incentivo aos restantes pacientes…
 
Cada um de nós é único e, por ventura, a única obrigação que cada um tem é a de, com honestidade e respeito, dar a conhecer a outros a sua leitura do seu percurso de vida. A forma de cada um lidar com esta adversidade fará parte do seu percurso de vida e vai ser lida pelos seus envolventes. O que está em causa é a imagem da nossa pessoalidade. Não a podemos denegrir. Proponho que se centrem nos vossos envolventes: fortaleçam os vossos, tentando vós ultrapassar a adversidade.
 
 
 
 
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